segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Coisas de Uma Nova Esperança (será?)



INTRODUÇÃO
Recentemente o coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde foi exonerado. Tal fato repercutiu, entre os psiquiatras, como uma boa, longa e esperada notícia. Sob a gestão deste coordenador nós psiquiatras assistimos e fomos obrigados a ser testemunhas da desassistência psiquiátrica nos últimos anos. Em breve colocarei aqui uma resumida cronologia do que aconteceu para o fechamento de hospitais públicos (ou com financiamento de verbas públicas) a partir de uma postura política, teórica e ideológica para uma forma de assistência que viu-se, como em outros países antes de nós, não reabilitar o doente mental grave e acabou por aumentar o número de moradores de rua com problemas mentais, bem como sua mortalidade. Nesta postagem não entrarei em detalhes nem em argumentos. Apenas reproduzo minha carta ao Sr. Ministro da Saúde felicitando-o pela decisão de exonerar o antigo coordenador. Até o momento sua substituição é incerta, e ainda não se tem posições concretas de que algo mudará de fato nas políticas de saúde mental no Brasil. Mas a esperança reapareceu, ainda que tênue. Nas próximas postagens detalharei o processo que ocorreu e ocorre desde a década de 80 mais acentuadamente.



De: Marcelo Lourenço
Enviada em: sexta-feira, 28 de janeiro de 2011 06:42
Para: 'ministro@saude.gov.br'
Assunto: Coordenadoria de Saúde Mental (POR UM ATENDIMENTO PSIQUIÁTRICO DECENTE AOS PACIENTES)

Excelentíssimo Senhor Ministro da Saúde,
Dr. Alexandre Padilha,

Com entusiasmo e esperança recebi juntamente com muitos colegas da Associação Brasileira de Psiquiatria a notícia da recente mudança na Coordenadoria de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Acredito que todos os médicos psiquiatras que trabalham diretamente na assistência do SUS no Brasil estarão igualmente mais esperançosos e otimistas, com a exoneração do Dr. Pedro Gabriel Delgado da Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Ele sempre em sua longa gestão ressaltou as “enormes dificuldades a serem superadas”, mas que, para quem as vive cotidianamente, somente pioraram ao longo destes anos todos em que, como comentou o colega psiquiatra Géder Grohs, igualmente em carta endereçada ao Sr. e divulgada na Lista Brasileira de Psiquiatria: “Sempre me pareceu estranho, que uma mesma pessoa fosse o coordenador de saúde mental por tantos anos e governos seguidos. Me perguntava se não teríamos outro brasileiro capacitado para tal...”.
Posso assegurar que esta percepção é a exata correspondência de muiitos psiquiatras (muitos mesmo) espalhados por nosso país, mas que estão atentos ao que acontece, porque sofrem no cotidiano o drama de tentar exercer uma boa medicina dentro de nossa especialidade. Na mensagem eletrônica do exonerado coordenador, ao anunciar sua saída do Ministério da Saúde (mensagem eletrônica circular n. 13/2011 de 24 de janeiro de 2011) ele colocou que “Neste período, compartilhamos importantes êxitos e inúmeras dificuldades...”. Honestamente Sr. Ministro, compartilho integralmente com as inúmeras dificuldades, mas nunca ao longo destes 20 anos compartilhei êxitos na gestão deste senhor. Sr. Ministro, cheguei a implementar e coordenar um CAPs também, e o que se começou com sonhos, hoje é grande pesadelo e fardo. De fato, como ainda colocou o Sr. Pedro Delgado ainda na mensagem de sua saída, “...Conseguimos, através de um trabalho coletivo e persistente, mudar o cenário da saúde mental no país.” Pois bem, Sr. Ministro, de fato ele conseguiu. O cenário piorou, e muito. Ao frasco quebrado recolham-se agora os cacos, com cuidado ao pisá-los, e posso da minha pequena atividade ambulatorial de uma cidade interiorana lhe prestar meus esforços, sem lhe aumentar o espanto por tal magnitude de tarefa. Felizmente, na época de Hércules isto não existiu para ele, mas tenho percebido daqui da roça que muitos amigos psiquiatras e prestigiados professores solidarizaram-se com esta mudança.
A antiga realidade dos chamados manicômios, que, diga-se de passagem, eram em sua maioria pagos pelo próprio Ministério da Saúde, sucedeu-se a da falta de leitos, pacientes graves morando nas ruas e sem assistência sequer emergencial em clínica médica, ambulatórios lotados e sem especialistas, falta de medicamentos, isto citando apenas apressadamente. Os CAPs não têm resolução de problemas psiquiátricos graves. Em outras palavras, as famosas gincanas, barracas de pipas, “corridas de saco”, oficinas de costura, quermesses de finais de semana NÃO previnem a deterioração orgânica que a Esquizofrenia provoca em décadas, e que pode ser documentada em exames de imagem, que somente podem ser interpretados e tratados por médicos. CAPs não reduziram risco de suicídio ou de violência doméstica em famílias de pessoas com doenças psiquiátricas. A isto some-se aos dependentes de álcool e drogas nas ruas que não encontram vagas para internação quando em quadro psicótico ativo ou mesmo abstinência e encontraremos o denominador comum do que certamente chama-se “omissão do Estado”, que, apesar de não ter vindo na gestão do Sr. Pedro Delgado, certamente agravou-se, e muito, no decorrer dela.
Então, Sr. Ministro, como sendo o Sr. um colega médico infectologista, creio que será relativamente fácil apreciar que a doença mental pode, de certo modo, ser vista às lentes de uma doença infecciosa. Isto porque a esmagadora maioria dos doentes mentais não sofrem sozinhos, mas trazem também imenso sofrimento psíquico a seus familiares e próximos. Neste aspecto, a doença mental é sim contagiosa, mas, como outras das literalmente (biologicamente) doenças infecciosas neste país, escaparam ao controle dos órgãos competentes. Como nunca antes neste país, nem nos tempos de Oswaldo Cruz.
É hora de uma guinada. E como membro da Associação Brasileira de Psiquiatria sei que ela estará solidarizada neste propósito.
Com cordiais respeitos,
Marcelo Lourenço de Toledo
CREMESP 72.723
Médico Psiquiatra (TEP)